Telmo Marçal é um pseudónimo, o nome que escolheu o verdadeiro autor para apresentar os seus textos, mas é um nome que tem marcado presença em diversas revista de contos, quer de publicação online como a Hyperdrivezine, quer em papel como a Phantastes. Ainda que as referências positivas sejam bastantes, não tinha, até agora, lido nada de Telmo Marçal, principalmente porque não me atrai ler num ecrã de computador.

Foi assim, com grande curiosidade, que peguei em As atribulações de Jacques Bonhomme, um livro de contos com uma capa estranha, que pouco faz antever das histórias que possui, publicado recentemente pela Gailivro. Vendo bem, acho que nenhuma imagem poderia ter esse papel, e esta, depois do ler o livro, até é bem a propósito. Entre fantástico e FC, algumas histórias podem enquadrar-se entre o terror / horror e outras há que não encaixaria em nenhum género.

O livro inicia-se com Os Virtuosos, uma história com nada de fantástico ou FC, que retrata um sub-mundo de vigaristas e burlões, homens que ganham a vida com esquemas duvidosos envolvendo tráfico de influências e bandos armados: uma história bem contada, sem heróis nem romantismos. Arrepiante, não por cenários de violência ou maldade humana, mas por os eventos se assemelharem tanto com aqueles que por vezes aparecem no jornal.

Segue-se O Paciente, um conto que ocorre num mundo de escassos recursos, divididos em classes, onde, os menos favorecidos vivem em cubículos que mal espaço tem para se deitarem e a comida é um luxo escasso. Face a esta realidade, o hospital é um paraíso, comida regular, cama e lençóis limpos. Após descobrir as vantagens de estar doente, um homem decide retornar, arranjando esquemas para conseguir passar a fila de espera. Num dos regressos é exibido, como exemplo, a um inspector que terá vindo verificar as condições desumanas a que são submetidos os pacientes.

Entre outros contos, destacaria a Saga do Homem Cavalo, a história de um ser humano que é tratado como gado: após ter uma vida de animal de corrida, é agora destacado para uma fábrica, onde trabalha como escravo de alienígenas, até que um estranho grupo de outros seres humanos (livres) é capturado. Quando este grupo planeia uma fuga, o Homem Cavalo acompanha-os.

Por sua vez, Homem das Cavernas lembra um conto de Ghouls, ainda que não ocorra num cemitério: um homem que passeia na natureza é atraído até à entrada de um túnel subterrâneo, onde é atacado e adoptado por um povo maldoso que vive nas profundezas. As vítimas deste povo ganharão um lugar no clã, através da adopção, ou integrando a próxima refeição.

A maioria dos contos caracteriza-se por um final abrupto, uma reviravolta inesperada que nos atira contra a parede e nos deixa sem fôlego. Outra característica, é a visão estreita das personagens principais: o mundo em que vivem é-nos apresentado geralmente com base na perspectiva de uma única pessoa – imaginem, por exemplo, que perguntavam a um plebeu da idade média como era o mundo em que vivia, e ele descreveria um fosso social, uma realidade fechada em coacção, sem esperanças ou expectativas elevadas. Esta é a realidade para algumas das personagens apresentadas.

Quase todas as histórias podiam acontecer nas nossas ruas, amigos traídos e boas acções recompensadas com a morte, desde agentes à paisana que são confundidos com os delinquentes e não possuem hipóteses para se defenderem; a criminosos que, para sobreviver colocam o amigo na mira de uma arma. Esqueçam o optimismo, isto é a selva da vida real – tudo é negro e poucas vezes a história termina bem.

A pessoa por detrás do pseudónimo esteve presente no auditório de Telheiras, nas Conversas Imagiárias, onde se falou do livro, das histórias e do processo pelo qual foi publicado em livro pela Gailivro.