Jeff Vandermeer, John Harrison ou Mark Z. Danieleewski são alguns dos autores com obras enquadradas no género fantástico New Weird, onde vulgarmente se destaca Perdido Street Station, um dos livros mais referenciados de China Miéville. Do autor conhecia Iron Council (um livro que decorre no mesmo mundo) e The City & The City ( livro engraçado mas longe de brilhante, onde duas cidades existem no mesmo espaço e tempo), mas nenhum deles me preparou para Perdido Street Station.
Esta foi sem dúvida uma das obras mais estranhas que já tive oportunidade de ler. Integrando várias listas dos melhores no género fantástico, a acção em Perdido Street Station ocorre num mundo distinto do nosso, na cidade de New Crobuzon, onde coexistem várias espécies inteligentes, de morfologia tão distinta quanto os seus hábitos: espécies cujas fêmeas possuem corpos humanos com cabeça e asas de insecto, homens cacto de grandes corpos rígidos, espécies voadoras que se assemelham a águias no seu porte orgulhoso.
Isaac é um cientista nesta terra estranha, capaz de cruzar diferentes ramos da ciência, o que o distingue dos colegas. Por essa razão, é muitas vezes contratado para solucionar problemas que, para outros, seriam impossíveis. Mas Isaac não é invulgar apenas pela polivalência, mas também por manter um romance secreto e proibido com Lin, uma fêmea de outra espécie, Khepri, com cabeça e asas de insecto, que ganha a vida como artista. A vida profissional de ambos sofre uma reviravolta ao aceitarem os últimos trabalhos que lhes propuseram: Isaac aceita restaurar a capacidade de voo a um Garuda a quem foram retiradas as asas, e Lin trabalha para o maior mafioso da cidade na construção de uma estátua.
Durante os estudos sobre o voo, Isaac contacta um mediador criminoso e propõe-se a comprar todos os espécimes voadores que lhe arranjem, ou até larvas que possam originar animais capazes de voar. Entre os animais recebidos encontra-se uma larva que se alimenta apenas de Dreamshit, uma droga alucinogénia. Alimentada, constrói o casulo e induz em Isaac estranhos e perturbantes sonhos eróticos. O animal em que se transforma não é um insecto normal, antes um predador implacável de almas, um ser irracional mas multidimensional que hipnotiza qualquer espécie biológica pensante. Este monstro liberta outros da sua espécie, o que instaura o terror na cidade: de noite todos os habitantes são atormentados por sonhos pavorosos e nenhum ser racional é capaz de capturar e matar sozinho estes enormes insectos devoradores de almas (que a certa altura me recordam, por alguma razão, os alienígenas retratados em Alien).
Com cerca de 600 páginas, o início do livro é uma lenta introdução à vida na cidade de New Crobuzon, apresentando-nos de forma enquadrada, as várias espécies, as suas crenças e costumes : os valores diferem e alguns são mais tradicionalistas que outros, isolando-se em guetos. Mas não se ilude quem inicie o livro, postas as peças no tabuleiro, a acção torna-se quase frenética o que impulsiona o leitor a virar rapidamente as páginas, até ao fim.
Cativante, viciante e sólido – estes são apenas três adjectivos que caracterizam Perdido Street Station: a história é bem contada, de vocabulário rico, carregada de detalhes que integram de forma natural as próprias personagem, sem paternalismo para com os leitores – em momento algum o autor poupa as personagens para sacrificar o desenrolar lógico dos acontecimentos. A conjunção de todos estes elementos faz de Perdido Street Station um dos melhores livros que já li do género fantástico.
Que bom que gostaste, Cris – considero Perdido um dos melhores livros do gênero. Causou em mim o mesmo sense of wonder que a leitura de Neuromancer, já lá no longinquo ano de 1989.
Não gostei – adorei. Como já tínhamos trocado impressões, não fiquei fascinada com Neuromancer, mas este tirou-me o fôlego. E por não ter referências que o datem talvez envelheça melhor.
Concordo inteiramente com você. Neuromancer para mim é um fetiche, confesso – mas sei que é fruto de uma época determinada, e que se fosse escrito hoje teria de ter outro tom, outra “pegada”, como dizemos aqui no Brasil. Já Perdido é realmente outra história – New Crobuzon é um belo cenário.
Faça uma coisa: leia The Scar e releia The Iron Council. Não são a mesma coisa, evidente – mas ler Perdido primeiro é fundamental, pois deixa uma espécie de “ressonância” que permanece vibrando para o leitor por algum tempo.
Sim, The Scar encontra-se já na lista de compras prioritárias!
E se calhar não deixo transparecer isso aqui (porque queria mesmo falar era do Perdido Street Station), mas gostei imenso do Iron Council com o seu registo desesperado e melancólico. Encontrava-se inclusive para mim entre os melhores do género … até ler este…
Eu não disse que era um dos melhores? 😉
I told you so. 😛
Ando curiosa em relação a esse livro há algum tempo. Se o ritmo da minha lista de leituras pretendidas deste ano for bom, ainda sou capaz de o adicionar a elas. 🙂
Olá Cristina,
É sempre um prazer ler o teu blog ainda que no final fique um gostinho amargo, fica a vontade de ler também quase tudo o que andas a ler. Infelizmente o tempo não ajuda muito.
Uma questão: o que é isso do “New Weird”?
Um abraço,
Rui
Safaa e Luís – sim, bem me avisaram, mas ainda tentei comprar uma edição melhorzita
Raquel – Lê ! Muitoooo aconselhável!
Rui – 🙂 Posso estar a dizer algo errado, mas considero que o New Weird é um movimento literário dentro do género fantástico onde se enquadram obras estranhas. Exemplos típicos são os livros de Jeff Vandermeer que ocorrem na cidade de Ambergris, alguns de China Miéville. Na Wikipedia podes encontrar uma boa definição por Jeff e Ann Vandermeer
http://en.wikipedia.org/wiki/New_Weird